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sábado, 14 de setembro de 2013

Obra poética

  Uma folha. Espaço em branco delimitado por outros de não-sentido.Certo dia, me contaram que um bom escritor sempre deixa espaços vazios no papel. Sabem por quê? Para que as crianças possam nele desenhar. Achei fabuloso, tamanha sensibilidade! Textos, fatalmente, se mostram incompletos sem gravuras,  sem as formas que lhe conferem  um ar lúdico, engenhoso e repleto de fantasia. O que seriam das histórias sem suas obras-primas emolduradas, leves representações dos sentimentos contidos em quem escreve.
  A própria disposição das frases, feitas de suas regências verbais e nominais, simbolizam a infinidade de construções, próprias de um maestro que rege sua orquestra, em movimentos precisos, graciosos, amplos, como se fossem abraçar o mundo.
  O mundo arredio, em seus rodopios intermináveis, repousa majestoso no infindável universo. Em cada nova história descoberta, tem-se um pedacinho preenchido no coração. Uma súbita alegria desperta, por conhecer aquela nova trama e compartilhar dos mesmos sentimentos dos personagens. Romances, lendas, mistérios, dramas possuem a artimanha de projetar em seu tempo comportamentos em seus leitores que condizem exatamente com o que o autor espera. Este é o fascínio das histórias.
  Enquanto houver um ser humano apaixonado, imerso em uma folha de papel, a contemplar o céu, com seus pássaros a melodiar - verdadeiros compositores da natureza - a literatura não perderá seu lugar, nem seu compromisso com cada devaneio de um sonhador, cada sorriso de uma criança que conhece a primeira sílaba ou cada amante que suspira ao falar de seu amor pela arte de interpretar as entrelinhas da vida.



sábado, 1 de junho de 2013

O tempo

        Sentada na cozinha, um pedaço de papel me fita. Lembranças, músicas, fotos e sonhos. A leveza de poder vislumbrar o que me contempla é o que faz imergir a imagem criada de uma vida que se aproxima. Sonhos não podem ser guardados. O belo não pode se esconder. Sonhos se assemelham àquelas crianças peraltas, risonhas, que te arrancam um sorriso do rosto apenas com um olhar. É fascinante apreciar a tradução da alma, revolta ou  acalentada, em palavras criadas sob um coração que pulsa descontrolado, porque não soube falar, e a única maneira que encontra para expressar-se é bater. Tum, ta, tum, ta: eis o compasso do tempo. A analogia me remete à imagem do relógio na parede, objeto imutável que acompanha nossos passos, embora se faça silencioso. Apenas consente com o mover da vida.
        Ser amigo das horas é para poucos. Recordo-me de um trecho que li e achei interessante: "o correr da vida embrulha tudo." Talvez exista um momento de remodelar nosso próprio tempo, não fazer de nossas vidas mero cumprimento de formalidades, mas conseguir abstrair o máximo proveito de determinadas situações, sem que se tornem fardos pesados ou maçantes frustrações.
     O tempo que nos envolve se dissipa lentamente, não consegue esperar, mortifica. Transforma-se em flagelo, incomoda quem por ele passa. Entretanto, esse mesmo tempo parece saborear os rodopios intermináveis da vida, se fazendo espectador meticuloso, silencioso. Mas não é o tempo que empobrece a vivência, e sim as almas que o compõem. A partir destas provêm o temor do mundo, a aflição dos homens, o desconsolo de se estar vivo na matéria, enquanto se agoniza no incólume espírito.
        

sábado, 13 de abril de 2013

Horizonte

  
     Pequeno limite que separa o percebido do imaginável. Atmosfera recriada com o inebriante avistar dos sonhos, calcado no relance de um pensamento apaixonado. Me vejo como fagulha solta, derradeiro passo em direção ao princípio da vida. Mistério científico, mitológico, ontológico. Assim surgimos, criaturas voltadas à luz, dependentes de se autoafirmarem, com todas as possibilidades em suas mãos. Começam a trilhar poucos passos. Se lançam em uma direção, perseguem outra, acumulam peças, e aos poucos constroem um tesouro de valor inestimável que, inequivocadamente, recusam. Eis nossos contrários. A beleza da existência repousa nessas contradições.
      Eu acredito na bondade humana. Tropeçamos em nossos passos claudicantes quando nos permitimos um refúgio no subconsciente poluído de experiências negativas que acabaram constituindo uma identidade que não é própria de nossa essência.

Almas que choram





Há anos, as Ciências da Saúde preocupam-se em estudar as principais causas e formas de reverter diversas doenças físicas. O que não esperávamos era a proporção de doenças psíquicas se sobrepondo às biológicas. Diariamente, assistimos aos noticiários e lemos nos jornais que milhões de pessoas em todo o mundo tentam “conviver” com a depressão. Cientistas e especialistas, atualmente, conseguiram desenvolver tecnologias para mensurar o nível da dor a partir da demarcação de áreas encefálicas, o que favorece pacientes impossibilitados de comunicar a dor, o sinal mais subjetivo que se conhece.
Já era de se esperar que a Psicologia e a Neurociência do futuro enfrentassem obstáculos quase intransponíveis a fim de suprir uma demanda crescente de afetados pelos “males da alma”. O próprio nome caracteriza essa gama de desordens que, tristemente, compõem o cotidiano humano.
Os avanços neste modelo de assistência, hoje, são preocupantes.  Embora as pesquisas continuem se aprimorando, a aplicabilidade das técnicas de avaliação comportamental devem ser revistas. A simples distinção entre dano e trauma psíquico transforma-se num quase abismo do conhecimento adquirido. Despindo-se de demais críticas, ouso questionar: até que ponto o estágio de evolução espiritual que nos encontramos favorece a observação mais clara do outro que sofre de algum desses males?
Tanto essa indagação como outras que rodeiam o universo científico devem ser consideradas, ao levar-se em conta o mundo existente dentro de cada um. Quem se limita a observar seu paciente unicamente com o olhar clínico negligencia o todo que o constitui. A importância da Psicologia repousa nesse contexto.  Sempre admirei os Psicólogos, sobretudo os que se exercem sua profissão com amor. Talvez porque em um futuro não muito distante, este serão os profissionais mais requisitados em um vasto mercado de trabalho. Não quero ser pessimista, apenas aguçá-los a ter um olhar ampliado do nosso viver.

quarta-feira, 13 de março de 2013

O florescer humano

    Chega um dia em que a vestimenta velha não serve mais. Difícil é colocar vinho novo em odres velhos. Assim, deparamo-nos com o momento da chegada, em que a vida se faz um espetáculo fascinante, cuja obra recontada dá sustentáculo ao itinerário humano perseguido. Nascer, oh triste sina! Tão deslumbrante e ao mesmo tempo repleta de singeleza. Descrições podem ser postergadas, afinal, o que é um conceito isolado, quando se é possível administrar uma coletânea de fases, todas sobrepostas, capazes de dar ao anfiteatro dos sonhos a aura de mágica que lhe pertence. Trecho poético de mim. Palavras soltas, desprendidas de formalidade, mas que empregam o imprescindível significado do ser. Ah vida, como eu amo você! 


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Ser


Eu me recordo do dia em que cheguei aqui. Todas as minhas forças se dissipavam, e o choro conseguia incomodar quem se encontrava de fora. Aos poucos, aquele sofrimento introspectivo ignorava a calmaria que convidava a alma a se libertar. Parecia uma descrença sem fim. As palavras não brotavam mais como outrora, careciam de motivação para apenas serem. Mesmo assim, é fascinante compreender a grandeza do sofrimento. Dentre todas as experiências que a vida apresenta, a profunda tristeza é a única que consegue gerar a força criativa de quem apenas quer voltar a reluzir, embora insista em se manter opaco.
Acredito no que consideramos campo espiritual negativo, assim como percebo a força das más energias ceifando a existência de qualquer um, principalmente daqueles que trilhavam os mais belos passos, sem cometer uma atrocidade sequer contra seu semelhante, e desmoronaram diante da maldade.  Percebo que quanto mais nos tornamos apaixonamos pela vida, mais ela tem a nos oferecer. Concluindo, sinto dizer: não desistirei dela. Por que consentir com fatos que fizeram de um subconsciente feliz o próprio calabouço, quando escolhemos basear toda a nossa história em boas ações?
Muitas vezes, é inútil querer que humanos se tornem humanos...







sábado, 16 de fevereiro de 2013

Palavras

     

   

     Há muitos anos que uma folha em branco consegue me deixar feliz. Posso dizer que o concreto que existe na alma do homem tem o poder de se manifestar em um espaço do papel. Sinto falta do tempo em que havia uma perfeita ligação entre os sentidos e as idéias, pois, uma vez distante do fascínio de míseras coisas que nos distanciam do ponto de equilíbrio universal, é fácil nos deixar envolver pela luz que nos encoberta. Entretanto, eu me permito ignorar esse lado ideológico das palavras. Elas não são fascículos de uma coletânea a mostra, a ser lida com perfeita retidão. Devem em quando trazer um pouco de lamúrio, silencioso, porém reconfortante.
       Mesmo assim, é fácil gostar das palavras. Regadas de singeleza ou de discórdia, elas conseguem exaltar o que existe de mais benevolente no expressar de um homem. Invadem a calma, nutrem o âmago ou, em contraste, aniquilam com o entusiasmo. Plenitude de vida é, exatamente, dar continuidade à essência boa que persiste em cada um, transpondo o emprego desmedido de palavras absortas.

A Palavra

O gérmen amadurece no seu corpo nascente.
Nas palavras que diz pulsa o desejo do mundo.
Move-se aqui e agora entre contornos vivos.
Ignora, esquece, sabe, vive ao nível do universo.
Na sua simplicidade terrestre há um ardor soberano.

António Ramos Santos